Autor: Andrada Militaru
Conheci a Raquel Sales Amaral há mais de 4 anos. Ela é incrível! Uma mulher absoluta que luta pelos seus sonhos e possui a força intrínseca que a faz lograr. O nosso caminho cruzou-se num projeto europeu: “Act for our Europe” financiado por Erasmus+, um programa da UE para a educação, formação, juventude e desporto na Europa.
Com um orçamento de 14,7 mil milhões de euros, o programa oferece a mais de 4 milhões de europeus a oportunidade de estudar, formar e ganhar experiência no estrangeiro. Tive a oportunidade de participar neste tipo de projeto em 2016 e depois em 2018 (falarei mais sobre isso num próximo artigo). Agora vamos descobrir o mundo dos voluntários temerários e os seus segredos pelos olhos de Raquel Sales Amaral!
A Raquel Sales Amaral tem 34 anos e vive perto de Lisboa. É apaixonada pela área social e por viagens. Licenciou-se em Jornalismo e tem uma Pós-Graduação em Ação Humanitária, Cooperação e Desenvolvimento. Participou em projetos de voluntariado em Cabo Verde e em S. Tomé e Príncipe e num projeto ambiental do Serviço Voluntário Europeu no Kosovo. Atualmente, trabalha como gestora de projetos na ProAtlântico – Associação Juvenil, onde coordena projetos de voluntariado locais e internacionais e do Corpo Europeu de Solidariedade, bem como intercâmbios e formações internacionais.
Já coordenou mais de 500 voluntários em projetos do Serviço Voluntário Europeu e do Corpo Europeu de Solidariedade. Ademais, fez mais de 10 intercâmbios, nos quais foi líder e coordenadora. Foi formadora em três formações organizadas pela ProAtlântico em Portugal.
Raquel, o que nos podes dizer sobre a organização ProAtlântico? Quando foi fundada e qual é o propósito dela?
Raquel Sales Amaral: A ProAtlântico é uma Associação Juvenil sem fins lucrativos, fundada em 2001 e sediada no Concelho de Oeiras, distrito de Lisboa. Atualmente conta com mais de 10.000 associados e desenvolve atividades de índole social, cultural, recreativa e desportiva com crianças, jovens, idosos e pessoas com deficiência. Toda a sua atividade assenta, por um lado, na criação de projetos para proporcionar aos seus associados e à comunidade uma maior consciência do outro, e, por outro lado, na atenuação de assimetrias existentes na comunidade em que está inserida.
Conta-nos um pouco sobre um dos projetos que coordenaste. Acho que as lembranças são inúmeras, mas qual foi esse projeto que não podes esquecer? Talvez porque fosse cheio de histórias engraçadas e fora de lugar.
Raquel Sales Amaral: Desde que entrei para a associação, já perdi a conta a de quantos intercâmbios coordenei. Cada ano organizamos entre 1 e 3 intercâmbios e ainda 1 formação para trabalhadores juvenis. O verão é a altura mais animada para nós.
Todos os intercâmbios são únicos. É difícil escolher qual me marcou mais. Mas, talvez o primeiro que realizámos no nosso espaço da Casa Europa. Era tudo novidade e tivemos todos de nos adaptar. No primeiro dia, tivemos de tomar banho com mangueira no jardim porque as casas de banho ainda não estavam prontas. Mas correu muito bem e todos adoraram a experiência.
Noutro ano, fizemos um intercâmbio que coincidiu com a nossa festa popular em Junho, na qual participavam mais de 200 idosos e os jovens que estavam a participar ajudaram-nos na festa, serviram à mesa, dançaram com os idosos e conviveram com eles, apesar de nenhum falar português. Mas o que mais destaco são as amizades que fiz para a vida. Em cada intercâmbio conheço pessoas de toda a Europa, completamente diferentes de mim, mas ao mesmo tempo com tanta coisa em comum.
Existem alguns critérios para escolherem os participantes? E se existem, quais são?
Raquel Sales Amaral: Nós somos mais exigentes na escolha dos líderes. Cada grupo internacional vem acompanhado por alguém que, não é legalmente responsável pelos participantes, mas que ajuda no intercâmbio e orienta os jovens. O líder tem de ser alguém responsável, maduro e que fale inglês. Se tiver alguma experiência anterior em intercâmbios é o ideal, mas se não tiver, não há qualquer problema. Na escolha dos participantes o primeiro critério é a idade. Cada intercâmbio tem uma faixa etária definida e os jovens têm de estar dentro dessa faixa.
Raquel Sales Amaral: Oficialmente, os projetos destinam-se a jovens dos 13 aos 30 anos, mas não nos faz sentido ter uma faixa etária tão díspar. Os nossos intercâmbios são sempre para jovens dos 18 aos 23 anos. Portanto, este é o ponto de partida. Depois, procuramos pessoas motivadas e que se interessem pelo tema da atividade. Pedimos também que falem alguma coisa de inglês, porque senão a comunicação torna-se um pouco difícil, mas não é impossível, desde que haja boa vontade.
Raquel Sales Amaral: Tem de haver balanço de género, ou seja, tentar que sejam o mesmo número de rapazes e raparigas. E damos prioridade a jovens com menos oportunidades já que é para estes que faz sentido este tipo de atividade, sejam eles jovens com carências económicas que nunca saíram dos seus países, jovens residentes em instituições, jovens com passado delinquente… Acreditamos que esta é uma experiência que os pode marcar e ajudar na construção de um futuro melhor. A seleção é feita em conjunto com as organizações parceiras.
Qual é a duração dum projeto e que tipos de atividades desempenham, poderias dar-nos uns exemplos?
Raquel Sales Amaral: Os nossos intercâmbios duram normalmente entre 10 e 14 dias. Cada intercâmbio tem um tema e depois são desenvolvidas atividades de acordo com o mesmo. Na ProAtlântico temos sempre a preocupação de fazer intercâmbios que incidam sobre temas sociais e interculturais. Ao participar nas atividades e desenvolver novas competências, os jovens voltam para casa mais abertos e tolerantes, com uma maior consciência cívica e europeia.
Raquel Sales Amaral: Um dos últimos intercâmbios foi sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e realizamos workshops e trabalhos de grupo, uma ação de rua, noites e visitas interculturais, uma atividade de fotografia, entre tantas outras coisas. Cada dia é diferente para que não haja monotonia e para que os participantes se sintam sempre motivados. É difícil motivar um grupo de 40 pessoas que não se conhecem de lado nenhum durante 14 dias, se não lhes deres atividades que gostem mesmo de fazer e que sejam desafiantes.
Raquel Sales Amaral: Além disso, procuramos sempre que haja ligação à comunidade local porque é muito positivo para todos. Uma das atividades que mais destaco aqui é o Mercado de Culturas, onde num local público e com bastantes pessoas, cada país tem uma mesa dedicada à sua cultura. Os jovens acabam por ser embaixadores dos seus países e dar a conhecer a sua realidade. Por exemplo, para nós portugueses é muito natural ter conhecimentos sobre Espanha, mas se calhar sobre a Eslováquia ou sobre a Lituânia sabemos muito pouco.
Raquel Sales Amaral: Já para não falar da forma como esta interação ajuda na quebra de estereótipos e formas de racismo que existem em todas as sociedades. Ao contactar com jovens de vários países, também as pessoas da comunidade se tornam mais tolerantes e interessadas nas questões da interculturalidade. É também uma forma de promover o Projeto Europeu, algo fundamental no contexto atual. E, claro, a parte de provar pratos típicos dos vários grupos é algo muito positivo!
Neste período da pandemia passamos pelos momentos complicados, porém para as organizações que se ocupam dos intercâmbios culturais as coisas são ainda mais difíceis. Como é que conseguiram lidar com tudo isso? Quais são as repercussões para a organização e que soluções encontraram?
Raquel Sales Amaral: Todas as nossas atividades de curta duração (intercâmbios e formações) que estavam previstas para 2020 foram adiadas. Esperávamos vir a implementá-las este ano, mas, infelizmente, não temos a certeza de que seja possível realizá-las. Obviamente que isso desestabilizou o trabalho da associação, já que é muito difícil planear as atividades do ano, sem certeza se as mesmas vão acontecer. Além de que um intercâmbio exige uma grande preparação com muito tempo de antecedência.
Raquel Sales Amaral: A atividade só dura no máximo 15 dias, mas são meses de preparação. Tudo começa com a escrita do projeto, que às vezes é feita a 1 ano antes. Depois, se o projeto for aprovado, começamos a trabalhar com as organizações parceiras para que estas possam preparar a atividade e começar a encontrar participantes. Uns meses antes, realizamos a VAP – Visita Antecipada de Planeamento, na qual participam os líderes dos vários grupos. É nesta visita que todos ficam a conhecer o local das atividades e é feita uma distribuição de tarefas.
Raquel Sales Amaral: Como se pode imaginar, este ano é impossível planear o que quer que seja. Até porque a segurança dos participantes tem de estar em primeiro lugar e para haver atividade presencial temos de garantir que tudo está de acordo com as normas. Por um lado, parece-nos bastante complicado, já que estamos a falar de juntar jovens de vários países, pelo que a distância física pode ser um problema, já para não falar dos espaços de realização das atividades. Por outro lado, a opção de fazer um intercâmbio online não faz muito sentido.
Sei que a organização desenvolveu um projeto nestas últimas duas semanas. Como achaste a experiência dadas as condições? Quais foram as opiniões dos participantes?
Raquel Sales Amaral: Atualmente, os projetos que temos a decorrer são apenas projetos de voluntariado do Corpo Europeu de Solidariedade. Neste caso, são projetos de longa duração, até 12 meses, e é mais fácil trabalhar com eles neste âmbito. Claro que todas as normas de segurança são cumpridas. Quando chegam vão logo fazer o teste da Covid-19.
Raquel Sales Amaral: Depois, cada jovem está integrado num local de trabalho seguro e, sempre que há alguma suspeita de Covid, entram logo em isolamento e são acionados os meios necessários para garantir a segurança de todos os que estiveram em contacto com essa pessoa suspeita. Num ano, tudo mudou. É uma aprendizagem constante para todos. Os voluntários que vêm para Portugal sabem que têm de se adaptar às regras e restrições atuais e aceitam o desafio. Neste momento temos 50 voluntários.
Os intercâmbios culturais oferecem várias oportunidades de voluntariado, porém gostaria de saber mais sobre o SVE. Vi na vossa página de Instagram um novo projeto de voluntariado na França, sem custos e por um período de 12 meses. Parece-me ótimo! Mas como conseguiram criar tal oportunidade? Entendo que se trata de um projeto SVE.
Raquel Sales Amaral: A ProAtlântico é parceira em projetos do Serviço Voluntário Europeu (atualmente Corpo Europeu de Solidariedade) desde 2007, tanto em projetos de acolhimento de voluntários estrangeiros, como projetos de envio de portugueses para fora. Para estas oportunidades, são escritas candidaturas para obter financiamento. Depois, quando os projetos são aprovados, podemos começar a tratar de tudo para receber ou enviar voluntários.
Raquel Sales Amaral: No nosso site, as vagas que lá estão são apenas para residentes em Portugal. Se quiseres participar num projeto, terás de contactar uma organização na Roménia que trabalhe com este tipo de projetos. Em Portugal, todos os anos recebemos voluntários da Roménia.
Se pudesse começar de novo a carreira, o que farias de diferente?
Raquel Sales Amaral: Esta é uma pergunta difícil. A minha formação de base é o Jornalismo e foi assim que desenvolvi as competências na área da comunicação, essenciais no meu trabalho diário. O trabalho social e com jovens aprendi muito graças aos projetos de voluntariado nos quais participei em países da África. Mais tarde, tirei uma pós-graduação em ação humanitária, mas falta-me ainda aprender muito sobre trabalho social. Gostava de tirar alguma formação nessa área e na parte do trabalho com jovens.
Raquel Sales Amaral: Ao nível das competências linguísticas, se voltasse aos tempos de escola estudava mais, de certeza. Nessa altura, não tinha a noção da importância de falar fluentemente várias línguas. Estudei inglês e francês, mas só na escola. O espanhol aprendi já no dia a dia a conviver com os jovens. Italiano é uma língua que me apaixona e que também quero descobrir.
Na ProAtlântico, cada dia é uma aprendizagem, mas gostava de ter mais bases. E também nunca trabalhei com a população sem-abrigo e é algo que gostava de experimentar. Mas ainda vou a tempo!
Mais sobre a atividade da organização podes ver na página onde é possível dar uma espiada.
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