Traduzido por: Alexa Nica
365 dias online, 6207 rezas e 1.000.000 de pensamentos. Esses são os números reais da pandemia. Há um ano começava a corrida sem direção que nos fez mudar a perspetiva sobre a vida. Um grande golpe sanitário, económico, educacional e psicológico a este corpo chamado “Terra”.
Uma “commedia dell’arte” onde os atores somos nós mesmos, que usamos máscaras e recitamos sempre frases cheias de esperança. Confusos, exaustos, confinados… continuamos a correr até que possamos gritar “O FIM DA PANDEMIA”.
ATO I: a vida virtual torna-se real
Entra em cena o lockdown…
Toda a vida quotidiana acontece online; pelo menos aqui sabemos proteger-nos melhor do vírus. As escolas e as universidades fecham-se. Aquilo que parece um período mais lasso para os estudantes torna-se, rapidamente, insuportável e não é nada mais do que um trabalho esgotante na mesma cenografia – as quatro paredes do quarto. Basicamente, o estudo e o sono têm apenas uma coisa em comum: a cama.
Acordo, como, aulas online, trabalhos para casa, como, durmo. Acordo, como, aulas online, trabalhos para ca- … É cada vez mais difícil aguentar a rotina.
Todavia, paradoxalmente, a coisa mais pesada é estar sempre ligado e em frente de um ecrã. Estou a dizer “paradoxalmente” porque faço parte daquela geração criada com a tecnologia ao seu redor, não obstante não me sinto pronta para enfrentar esta nova mudança, ou seja, ver como a vida virtual se torne real.
Por um estudante, o curso à distância é equivalente ao cansaço, estresse, ânsia, incerteza do futuro, a falta do da motivação para estudar e, em cima de tudo, a falta da interação e da socialização. Sem as gargalhadas no corredor, sem uma troca de opiniões e emoções, o isolamento torna-nos melancólicos e apáticos, sobretudo quanto aquele “até amanhã” torna-se “espero ver-te em breve” e quando cada dia começa por “connecting…”
O mesmo pode ser dito sobre os do regime de teletrabalho – o tal smart working – que frequentemente transforma a própria cozinha num escritório.
ATO II: a distância entre nós…
…é de 2 metros se estivermos afortunados, de um meeting se estivermos confinados das fronteiras territoriais e do céu à terra se a luta acabou por nós…
Dias sem gestos amorosos, sem um aperto de mão, sem uma carícia, sem o vento a perturbar o nosso cabelo, sem um “copo de vinho e um pãozinho” (ah, sim, a felicidade) nos restaurantes. De facto, todas estas coisas pequenas que nos ajudavam a nos separarmos das preocupações quotidianas e dos pensamentos sombrios. Mas também no contexto da pandemia temos que manter as relações e a nossa saúde mental pelo menos por um mínimo de serotonina e por nos sentirmos ainda vivos.
Felizmente, as pessoas adaptam-se também neste período. O amor, a amizade e também a cortesia adquirem uma nova linguagem. Temos que aprender a exprimir o nosso afeto ou o cumprimento simples através dos novos gestos permitidos pela OMS e adivinhar se haja um sorriso ou seja uma cara chateada atrás da máscara.
Porém, nenhum gesto ou palavra consegue ser tão expressiva como o rosto. Diz-se que “Os olhos são o espelho da anima”. E acho que é verdade porque, às vezes, um olhar vale mais palavras, projetando todas as emoções e pensamentos que estão atrás.
Na verdade, a distância aproxima-nos e deixa-nos mais chegados do que nunca. Além das “festas nas varandas”, as palmas em coro para os médicos na primeira linha, a pandemia fez-nos apreciar mais a quem está ao nosso redor.
Falamos mais frequentemente com os nossos pais, ligamos aquele parente com que não falámos há muito tempo, damos ouvidos e brincamos com as nossas crianças, conhecemos os nossos parceiros melhor e perdoá-los após discussões.
A pandemia consegue diminuir, em cima de tudo, a distância entre mim e mim. Sim. Acompanhando-me a mim mesma, àquela pessoa que está dentro de mim e que poucas vezes dou ouvidos.
ATO III: a pandemia de duas caras
O símbolo primordial do teatro são as duas máscaras: uma que ri – representando a comédia, outra que chora – representando a tragédia. Tal como em chinês, a palavra “crise” é formada por dois ideogramas: um que significa “perigo” e outro “mudança do rumo”, percebido como “oportunidade”.
A crise provocada pela pandemia teve danos em todos os domínios. Fechou as portas das lojas, dos restaurantes, das escolas, das igrejas e das empresas pequenas, deixou pessoas sem emprego e até matou. Aqui vem a parte feia “a tragédia” e “o perigo”.
…. Meses em fila passados em casa até ao desespero… Há dias em que estou farta dessa longa espera. Todavia, não posso distanciar-me das minhas ideias, dos meus pensamentos, dos sentimentos e dos passatempos.
Sinto tantas saudades faltam-me a titilação nas narinas do perfume da erva que acabou por ser cortada, comer o gelado nas ruas cheias de sol, ver os rostos das pessoas sem máscaras, ir ao teatro e ao cinema, viajar… sonhar.
Aqui é que me dou conta que antes estávamos felizes e livres e não o sabíamos. Mas não vale a pena perder o tempo para estar triste.
Resta-me apenas chor-… pintar, ler, olhar para o mundo da minha varanda e para aquilo que está dentro de mim. Aqui tem a outra cara da pandemia! A revelação ocorre quando passamos tempos ruins e ficamos sozinhos; quando finalmente temos tempo para nós e encontramo-nos no canto dum pensamento.
Tudo torna-se mais fácil de aguentar porque descobrimos de novo, ou até descobrimos, um novo hobby, encontrámos o tempo perdido para começar um diário, para fazer música e escrever poemas, para cozinhar ou até para abrir uma pequena empresa com velas perfumadas, para descobrir aquilo de que gostamos ou não, concretizar um sonho, enfim… conhecer melhor a nós mesmos e dedicar tempo a uma mudança nas nossas vidas.
Após um ano sabemos que a pandemia de coronavírus não vai acabar em breve. Ainda estamos num tipo de sonolência – quando parece que as coisas estão a voltar à normalidade, uma nova onda de infeções choca de novo e tudo volta ao início.
Ainda assim, chegámos a aprender uma lição: aquela de apreciar mais as pessoas e as coisas que estão em torno de nós. Mas a conclusão não estará escrita agora porque ainda não veio ninguém à ribalta.
TO BE CONTINUED…